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Raízes aéreas, por Yvonne Miller

por Yvonne Miller
Arte: Birds and nature de autor desconhecido.

Yvonne Miller nasceu em 1985 na Alemanha, mas prefere o calor do Nordeste brasileiro, onde mora desde 2017. Cronista e contista, tem textos publicados em várias antologias e é uma das organizadoras e coautoras da coletânea de contos cearenses Quando a maré encher (Mirada, 2021). Seu próximo livro, Crônicas da Mata (título em construção), vai ser publicado em breve pela editora Aboio.


— Você já se sentiu entre dois lugares? — foi a provocação que o cronista Anthony Almeida fez numa mensagem, antes de me enviar sua crônica “Uma casa em Caruvenceslauru”.

— O tempo todo — respondi.

Mas ao ler a crônica recuo da minha resposta. Não é bem assim que me sinto. O Anthony, segundo ele, é “caruvenceslauruense”: natural de Caruaru, mas que mora em Presidente Venceslau. Eu sou natural de Berlim e moro em Pernambuco, mas não sou perlinambuquense. Não é que queira estar ao mesmo tempo lá e cá, como acontece com ele. Também não é que esteja com um pé lá e com outro aqui. Até porque o “lá” é bem mais complexo do que parece. Se eu fosse uma árvore, teria minhas raízes na Alemanha, mas meus galhos se dividiriam entre Panamá, Espanha, Portugal, México e Brasil. Outros ainda se estenderiam para Dinamarca e Áustria. Do galho brasílio sairiam ramos firmes pro Pará, Ceará e Pernambuco, onde continuariam em gravetos mais finos a Belém e Algodoal, Fortaleza e Jericoacoara, Aldeia, Recife e Olinda.

Na Alemanha nasci; no Panamá, na Espanha, em Portugal, no México e no Brasil já morei; na Dinamarca passava as férias de verão com meus avós e na Áustria, as de inverno. Cada um desses lugares deixou suas marcas. Embaixo da minha pele trago lembranças – algumas vivas, outras sutis – de afetos, cheiros, sabores, paisagens, sorrisos, leituras e aventuras de cada um deles. São tatuagens invisíveis, feito camadas em suaves anéis por trás da minha casca.

Mas também não é que eu queira estar em todos esses lás e aqui, ao mesmo tempo. O meu se-sentir-entre-os-lugares é outro. São muitos lugares. E de alguma forma estou em todos eles e todos eles estão em mim. Ao mesmo tempo, sinto que não pertenço a nenhum. Minha árvore interna está cheia de ninhos abandonados. Todos eles já foram meus e não são mais. Não encaixo mais – nem lá e nem cá.

Estar entre vários lugares é não estar em lugar algum. É estar flutuando suspensa no meio de todos eles. É ter raízes aéreas.


Arte: Birds and nature de autor desconhecido.

Comment (1)

  • Sinto o mesmo. E não sei se pesquei uma angústia deste não-lugar ou se assim o porque assim navego…

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